O cansaço acabou por vencer Kalëni, obrigando-a, por fim, a adormecer. Quando acordou, já a noite tomara o dia, fora da cidade. Sobressaltou-se por um segundo, sentindo, ao mesmo tempo, todo o corpo dorido reclamar pela súbita tensão. Porém relaxou ao aperceber-se da presença do bebé, ao lado da almofada. Tinha um pequeno dedo na boca, no qual chuchava, e olhava-a. Aproximou o rosto do dele, sorrindo.
– Boa noite, pequenino – murmurou. Tinha os olhos iguais aos do pai. À primeira vista, e por entre a pouca luz, pareciam azuis. Mas eram, na verdade, de um violeta não muito escuro.
Ayalal pareceu observá-la com curiosidade e, devagar, tirou o dedo da boca, estendendo a mão pequena na sua direcção, num movimento algo vago. Kalëni aproximou a cara, deixando que a mão lhe tocasse, explorando-lhe as bochechas e os lábios. Beijou-lhe a palma, fazendo-a retrair-se um pouco, enquanto o pequeno soltava uma exclamação, talvez de espanto.
Sem se levantar, pegou nele e pousou-o sobre o seu peito.
– Os bebés são sempre tão silenciosos? – perguntou-se, estranhando a falta de choro. A parteira havia dado banho ao pequeno, enquanto dormia. Seria possível que tivesse chorado e ela fosse incapaz de ouvir?
Estendeu-lhe uma das madeixas negras do seu cabelo, deixando-o brincar um bocadinho. Ele examinou-a, dando-se ao trabalho de estender a outra mão.
– Não tens fome, Ay? – murmurou-lhe, enquanto ele se entretinha. Não parecia ter. Os bebés choravam quando tinham fome, não era? A jovem não tinha a certeza.
Conteve a respiração por um momento e sentou-se, encostada à cabeceira. Depois, experimentou dar-lhe mama. À primeira, o bebé babou-se, ao tentar perceber o que era aquilo, porém, devagar, começou a mamar.
Kalëni contemplava-o, com um sorriso doce nos lábios, quando bateram à porta. Ergueu o olhar, ao ouvi-la abrir-se, e uma mulher, que não a parteira, espreitou-a.
– Senhora Kalëni, prezo em vê-la acordada e bem – notou, fazendo-lhe um aceno sincero.
A jovem sorriu-lhe, sem deixar de dar de mamar ao bebé.
– Vinde vê-lo, Guiran – murmurou. – É tão querido…
A mulher hesitou, antes de entrar e fechar a porta atrás de si. Aproximou-se da cama e espreitou o rebento.
– É, sem dúvida, senhora. Mas não podeis afeiçoar-vos a ele – lembrou. – Não será vosso.
A alegria esfumou-se do rosto de Kalëni. Por um momento esquecera-se do porquê de ter viajado até uma cidade tão remota quanto aquela, nas montanhas, em segredo. Esquecera-se porque entrara ali em anonimato, como uma criminosa disfarçada, três dias antes.
– Será sempre meu, esteja onde estiver – sussurrou, não sendo capaz de conter as lágrimas. – Veio de mim, é meu filho, mesmo que nunca venha a saber.
O bebé deixou de mamar e olhou para cima, algo perturbado ao aperceber-se de uma mudança, talvez no batimento do coração da mãe, ou na voz que agora tremia.
– Será, senhora – murmurou Guiran. – Antes do amanhecer, irei entregá-lo ao orfanato da cidade. Teremos de partir de manhã, e ninguém pode saber que é seu.
Kalëni ficou em silêncio por um momento.
– Sai – acabou por dizer, num tom forçadamente contido. – Sai, Guiran.
A mulher fez uma pequena vénia, pouco à vontade com tudo aquilo, e apressou-se a sair. Antes de fechar a porta, um “lamento muito” ainda chegou até à jovem, arrancando-lhe um soluço de dor.
Ayalal soltou uma espécie de protesto e estendeu ambos os braços pálidos para ela, como se reconhecesse a sua dor. Kalëni abraçou-o e, por ele, voltou a controlar as emoções. Baixinho, começou a cantar-lhe em élfico uma música de embalar. À luz da lareira, a melodia acompanhou mãe e filho, à medida que as horas avançavam pela noite.
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