Mosteiro das Sete Formas, 27 de Calistril de 4590 AR (parte IV)


À medida que se aproximavam da saída do túnel, a corrente de ar tornava-se mais forte. O fogo das tochas encantadas vacilava, sem nunca se apagar. Uma tocha normal aguentar-se-ia acesa pouco mais que um segundo.

Yudarh liderava a marcha, apoiado no bastão que sempre o acompanhava, com a extremidade inferior, calçada a metal, marcando o ritmo. O caminho transformou-se numa subida íngreme, obrigando Ayalal e Lysa a apoiar as mãos na pedra para subirem, ao contrário do meio-demónio cujos cascos pareciam habituados a tais trilhos. Sendo uma passagem pouco frequentada, ninguém se dera ao trabalho de construir escadas para auxiliar na tarefa.

Uma luz clara, que não a das tochas, começou a revelar-se, espreitando-os de uma curva que os impedia de ver mais além. Mal a ultrapassaram, Ayalal encolheu-se com um gemido de dor e, por instinto, levou o antebraço até aos olhos. Era como se a luz tivesse tomado a forma de várias agulhas que o atacaram de surpresa.

Yudarh olhou para trás.

– A luz poderá magoar-te, mas se queres mesmo ver o exterior desta montanha, aguentarás essa dor.

Desabituada da luminosidade exterior, Lysa semicerrara os olhos, 

– Far-lhe-á mal, mestre? – quis saber, preocupada.

– Em princípio, uma dor de cabeça. – O tiefling recomeçou a caminhada. – Não olhes directamente para o Sol, criança.

Ay fez um aceno rápido, ainda com o braço sobre os olhos. De um momento para o outro, aquela inesperada e súbita dor semeara-lhe uma pontada de medo no coração. Nunca imaginara que a luz do dia o fosse magoar. Ficou parado, no sítio onde estava, enquanto os passos de Yudarh e Lysa seguiam caminho. Inspirou fundo e obrigou uma perna a içar-se para se apoiar na pedra. Segurou-se com a mão livre e continuou a avançar, devagar, hesitante, em direcção à enorme boca de luz, diante de si.

Andara poucos metros quando, sem aviso, um pé bateu num pedregulho e o rapaz caiu para a frente, meio desamparando. Sobressaltado, e para não se magoar, levou ambas as mãos ao chão e abriu os olhos. Luz. Tudo parecia feito de luz que cegava e apagava o resto do mundo. Voltou a fechar as pálpebras, com toda a força, porém a claridade parecia ter ficado presa lá dentro.

– Ay! – A palavra foi levada pelo vento forte. A mão preocupada de Lysa tocou-lhe nas costas, enquanto a outra o ajudou a levantar-se. – Mestre, ele não consegue abrir os olhos…

– Consegue. Aos poucos – respondeu o meio-demónio. A voz dele não estava longe.

Ayalal nada disse, porém os punhos das mãos estavam cerrados. Uma parte de si incitava-o a correr de volta ao túnel, aos tropeções. Outra queria ver, abrir os olhos e absorver o que haveria ali de novo, as imagens de que Lysa lhe contava histórias. Esperou, os instantes decorrendo devagar. Ao longe, escutou um som que nunca antes ouvira, perfurando o vento, parecendo chamá-lo.

– O que foi aquilo? – perguntou, ainda sem se atrever a abrir os olhos. Havia já tanta luz com eles fechados, o que aconteceria se os abrisse?

– Um dos falcões que habita as montanhas veio cumprimentar-te – disse Yudarh.

Ficou mais curioso. O que seria um falcão e porque viria cumprimentá-lo?

Aos poucos, a pressão das pálpebras começou a aliviar-se. Duas pequenas frestas revelaram uma nesga violeta da sua íris. Viu vultos e borrões do que o rodeava, porém a dor continuava lá, desafiando-o. Tentou abrir mais, todavia as lágrimas surgiram, para lhe esborratar ainda mais a visão, numa vã tentativa de lhe aplacar o sofrimento.

Quando estava quase a desistir daquele esforço, um dos vultos aproximou-se e tocou-lhe. O corpo da criança foi percorrido por um calafrio, provocado por uma onda de energia e, de súbito, a intensidade da luz diminuiu. A medo, não fosse aquilo uma partida, Ayalal acabou de abrir os olhos e… arregalou-os.

Diante de si, o vasto horizonte revelava os picos mais baixos das montanhas íngremes onde vivia; abaixo deles, pequenas manchas verdes pintalgavam a planície; e, muito mais além, uma vastidão brilhante abarcava tudo o resto – era O Mar Interior.

***

Mosteiro das Sete Formas, 27 de Calistril de 4590 AR (parte III)


Ayalal acabou por adormecer no colo de Lysa. Com cuidado, a jovem afagou-lhe o cabelo escuro. Tinha pena de simplesmente o levar para o quarto onde as restantes crianças descansavam. As mesmas crianças que o atormentavam. Hesitou, acabando por pegar nele ao colo e seguir para o aposento das raparigas mais velhas. Eram quatro, contando com ela, e todas haviam crescido no orfanato, sob a tutela da Directora Drane.

Deitou-o na sua cama, junto a si, e aconchegou-o. Ay encolheu-se, como fazia sempre, parecendo ainda mais pequeno.

– Bons sonhos – sussurrou-lhe, antes de também ela fechar as pálpebras para dormir.

*

Ay correu à frente, enquanto Lysa acabava de subir a escadaria que desembocava no início do túnel. O rapaz tinha uma estranha energia, apesar da sua palidez, principalmente quando estava animado. Seguiu o percurso entrecortado por luz e sombras, e acabou por apanhá-lo parado no meio da encruzilhada, de cenho franzido, observando o caminho que dava para a escuridão.

– Pareceu-me ver algo a mexer – disse, quando Lysa parou ao seu lado.

– Al… algo? – A voz da jovem tremeu. – Não há nada aí, Ay…

– Tenho a certeza que vi qualquer coisa – insistiu, dando um passo para a escuridão.

– Não! – Lysa agarrou-o pelos ombros e fê-lo voltar-se um pouco, empurrando-o de seguida para o lado do qual ficava a casa do mestre Yudarh. – Foi só impressão tua.

Ayalal insuflou as bochechas porém não insistiu, olhando por cima do ombro para o negrume que deixavam para trás. Não era proibido ir por ali, mas ninguém se atrevia a fazê-lo. Nem luzes se haviam dado ao trabalho de pôr. Ou teriam e alguém as apagara? A curiosidade remoía-o.

Quando chegaram ao fundo do túnel e bateram à porta de casa de Yudarh, este tardou a recebê-los. Voltaram a bater. Insistir era a chave para serem recebidos. Por fim a porta abriu-se.

– Já vos disse…

– Viemos fazer-lhe uma visita, mestre – cortou Lysa, não lhe permitindo terminar a frase do costume. Ambos achavam que Yudarh estava demasiado sozinho ali. Tanto que Ay, preocupado, perguntava-lhe, de vez em quando, se ele não poderia viver também no orfanato.

Ayalal acenou, mirando-o.

– E trouxemos uma coisa – disse, levando uma mão ao bolso do casaco de cotovelos recosidos que outrora já fora vestido por outras crianças. Retirou um embrulho de tecido que Lysa reconheceu e estendeu-o ao tiefling.

Yudarh franziu o sobrolho, pegando na oferta, e puxou o cordel com uma garra, revelando o bolinho que se escondia no interior. Arqueou as sobrancelhas, por um instante, lançando uma mirada à criança, antes de guardar o inesperado presente.

– Faz hoje quatro anos que comecei a tomar conta do Ayalal – comentou Lysa, pousando uma mão no topo da cabeça da criança e fazendo-lhe uma festa. – Ele decidiu repartir o seu presente entre nós.

– Estou a ver… – hesitou, passando uma mão pelo queixo, pensativo. – Ia agora sair. Querem vir?

Lysa piscou os olhos.

– Para onde?

– Para a superfície. – Um dos cantos dos lábios de Yudarh ergueu-se de modo ténue, ao ver o olhar de Ayalal brilhar de entusiasmo.

***

Mosteiro das Sete Formas, 27 de Calistril de 4590 AR (parte II)


Encostou a cabeça ao peito de Lysa e suspirou, baixinho. Agora, sentia-se muito mais seguro, ela protegê-lo-ia dos monstros maus. Ficou em silêncio por um instante e, como ela não falava, ergueu o olhar.

– Como é que posso proteger-te do teu monstro?

Ela sorriu-lhe com carinho. Havia meninos no orfanato que tinham um irmão ou uma irmã a viver com eles. Lysa era isso para ele, uma pessoa importante, valiosa.

– Já proteges, Ayalal.

O pequeno premiu os lábios num trejeito torto e pouco convencido.

– Foi o monstro que te fez isso? – murmurou, esticando a mão e tocando-lhe com leveza na cicatriz do rosto, os dedos deslizando pelas rugosidades que a queimadura deixara.

Lysa desviou o olhar, a expressão fechando-se.

– Foi – murmurou, recordando-se do seu “monstro”. Era uma sombra que pairava atrás de si, perseguindo-a. Agarrou em Ayalal só com uma mão, e levou a outra à pequena mão dele, segurando-a contra o seu rosto. – Era o meu pai. Mas agora já está longe, fugi dele. É só que muitas coisas do passado são difíceis de esquecer.

O lábio inferior de Ayalal dobrou-se um pouco para fora, fazendo beicinho.

– Os pais são maus…

– Há muitos que não são – notou, dando-lhe um beijo terno na palma da mão. – Há pessoas más e pessoas boas, e pessoas que são ambas as coisas, ou não são nenhuma. O teu pode não ser mau. Nem a tua mãe. Talvez… lhes tenha acontecido algo e pensassem que aqui estavas melhor, comigo. Talvez achem que és capaz de me proteger do monstro mau.

Ayalal ficou pensativo por um momento e depois acenou, mais confiante.

– Sim, foi isso. Vou pedir ao mestre Yu para me ensinar coisas para te proteger – determinou.

Lysa riu-se ao ouvi-lo dizer aquilo. Yudarh ficara quase de cabelo em pé, da primeira vez em que um Ayalal gatinhante lhe chamara “mest’Yu”. Já não o visitavam regularmente, principalmente depois de ter conseguido desabituar Ayalal do leite com sangue, algo que fora mais fácil do que realmente imaginara. Apesar de tudo, continuava a ser um rapazito com pouco apetite e, por isso, magrito.

– Então, e se depois do amanhecer, lhe formos fazer uma visita? O que achas?

– Sim! – disse, sorrindo.

– Mas antes… – Lysa tirou-o do seu colo com cuidado e levantou-se do banco. Ay seguiu-a com o olhar, intrigado.

– O que foi?

A jovem foi até um armário donde voltou com um saquinho de pano, preso com um cordel. Sentou-se ao lado dele e estendeu-lho.

– Feliz aniversário, Ay – desejou.

Os olhos da criança arredondaram-se, enquanto encarava o embrulho tosco.

– É hoje?

– Hm-hm. E este é o teu presente. É pouco, mas espero que gostes – disse, vendo-o pegar no cuidado no embrulho.

Ayalal labutou um pouco com o nó apertado, mordendo o interior da bochecha. Quando conseguiu, por fim, abriu o saco sobre o colo, revelando três bolinhos que, juntos, cabiam na palma da mão de um adulto. Os seus olhos brilharam de felicidade – doces eram uma luxúria que não entrava no orfanato.

– Prova – incitou, Lysa. – Ouvi dizer que são muito bons.

Ele fez um aceno e pegou num. Hesitou por um momento, antes de o estender na direcção dela.

– Prova também – ofereceu.

– Não posso, são para ti…

Ele sorriu de forma algo traquina.

– Se são meus, dou-te um. Prova, vá lá…

Lysa acabou por aceitar, pois sabia que, se não o fizesse, deixá-lo-ia triste. Ayalal pegou num segundo bolo e deu-lhe uma dentada pequena, saboreando devagar, sem nada mais dizer. Quando acabou de comê-lo, pousou o terceiro na mesa e, sem aviso, abraçou-se à cintura dela, escondendo o rosto na sua barriga.

– Obrigado – A palavra abafada chegou até si com dificuldade. Aos poucos, a camisa de dormir humedeceu no local onde a criança encostava o rosto. – Obrigado.

E Lysa sabia que era um agradecimento que ia muito além dos três bolinhos que lhe oferecera. Ayalal não imaginava o quanto aquela gratidão era mútua.

***

Mosteiro das Sete Formas, 27 de Calistril de 4590 AR (parte I) (quatro anos depois)


Estremeceu e, de súbito, abriu os olhos. A escuridão reinava no quarto. Contudo, não era isso que o impedia de ver. Deitado na sua enxerga, sobre o chão, Ayalal observou as restantes crianças. As respirações eram leves, monótonas. Sentou-se devagar, trémulo, agarrado ao cobertor. Ao todo, contando com ele, eram trinta e duas, deitadas a pouco mais que um braço de distância e, excepto ele, todas dormiam.

Tentou não fazer barulho, enquanto se levantava. Levou consigo o cobertor, sobre as costas, como uma capa que arrastava pelo chão, e saiu pela porta que fora deixada encostada. Caminhou só com as peúgas nos pés, parando diante da porta seguinte, por alguns segundos. Lysa, junto com as restantes senhoras que cuidavam deles, dormiam naquele quarto. Mordeu o lábio inferior e abanou a cabeça, continuando caminho até às escadas que levavam ao piso inferior. Era demasiado crescido para lhe pedir para dormir com ela. Demasiado crescido para ter medo dos pesadelos que não o deixavam descansar. Não queria dar outra razão a certas crianças para gozarem consigo.

Espreitou a cozinha, certificando-se de que estava vazia, antes de entrar para se sentar junto à lareira. Uma chama pequena oscilava entre os toros queimados, lutando para continuar acesa. Enrolou-se no cobertor e deitou-se no chão, encolhido, só com o rosto de fora, observando o esmorecer do fogo. Por vezes desaparecia por completo, deixando somente as brasas no seu lugar, só para renascer, um momento depois. Fechou os olhos, sem conseguir dormir. Lá fora, o vento que desembocava na cidade, vindo dos vários túneis, abanava as portadas da janela, entrando pelas frinchas. Assustava-o. Era uma espécie de monstro invisível que, se conseguisse entrar completamente, o devoraria. Estremeceu, encolhendo-se mais.

Não soube quanto tempo ficou assim. Lá fora o vento serenou. O monstro cansara-se e partira. Fora da cozinha, a madeira das escadas estalou. Ayalal abriu os olhos e apressou-se a gatinhar para debaixo da mesa da cozinha, arrastando o cobertor atrás de si. Encolheu-se, abraçado aos joelhos, enquanto a luz de uma vela iluminava timidamente a entrada. Viu dois pés a espreitarem de sob uma camisa de dormir de lã e avançarem pelo chão de pedra, até junto da mesa. A pessoa sentou-se no banco corrido, ficando em silêncio, à espera.

Ay esperou, de coração a bater muito depressa, até ganhar coragem e espreitar pelo espaço entre o banco e o tampo da mesa.

– Como é que sabias que eu estava aqui? – perguntou, baixinho.

Lysa sorriu-lhe com carinho e esticou a mão para lhe fazer uma festa no cabelo negro.

– Foi uma fada que me contou.

– Nunca vi nenhuma fada aqui no orfanato…

– Ah… bem… na verdade tive um sonho mau – confessou Lysa.

Ayalal franziu as sobrancelhas e trepou para cima do banco, sentando-se ao lado da amiga.

– Dói? – perguntou, com uma preocupação sincera. – O monstro fez-te mal?

Ela hesitou um pouco.

– Foi só um sonho mau. O monstro não existe.

– Não existe mesmo? – perguntou ele, desconfiado. – Eu acho que existe. Senão, não te faria mal quando dormes.

Lysa ficou sem saber muito bem o que lhe responder.

– Bem, talvez exista. Temos de os derrotar, então. Como era o teu monstro, Ay? – Passou-lhe um braço em redor dos ombros, chegando-o para si. Observou-o, vendo não tanto medo, mas mais tristeza.

– Eram muitos – murmurou. – Não conseguimos derrotá-los. Eu estava num quarto escuro, eles vieram pelo chão e agarraram-me. Começaram a morder-me e havia sangue… eu gritava, mas não havia som. Puxavam-me o cabelo, queriam tirar-me a cabeça… – Os olhos arredondaram-se, fitando as mãos.

A jovem ofereceu-lhe um beijo no cabelo negro, deixando-o terminar. Só depois colocou a questão que começara a pairar com a descrição do sonho.

– Ay, os outros meninos voltaram a bater-te?

– Não.

A resposta fora firme e rápida. Demasiado, na verdade. As mãos pequenas apertavam-se, tornando-se mais pálidas do que já eram. Lysa pegou nele com cuidado e sentou-o no seu colo, de lado, para o abraçar contra o peito. Todas as crianças do orfanato tinham uma história desagradável para contar. Apesar de algumas, como Ayalal, não terem realmente noção dessa história, outras, pelo contrário, tinham sido moldadas por ela. E, em algumas, esse molde trouxera à tona o prazer de magoar. Ayalal guardava essas feridas para si. Falava-lhe só dos monstros que o atacavam nos pesadelos, sem perceber o que reflectiam.

***

Mosteiro das Sete Formas, 02 de Pharast de 4586 AR (parte IV)


Lysa arquejava de cansaço, ao regressar com um jarro tapado apertado contra o peito. Yudarh ergueu as sobrancelhas, quando a jovem entrou no aposento onde ainda se encontrava sentado com o bebé ao colo.

– Não precisavas de correr, criança – notou, seguindo-a com o olhar, enquanto ela pousava o jarro na mesa. – Ele não iria morrer de uma hora para a outra. Em princípio.

– Ele não come há demasiado tempo, claro que precisava de correr, mestre – resmungou, apoiando uma mão na mesa e a outra no peito de onde o coração ameaçava saltar.

Ele não comentou e levantou-se.

– Senta-te aqui, então – disse, fazendo um gesto com a mão livre para o lugar deixado vago. – E não quero reclamações do que me possas ver a fazer.

A rapariga franziu o sobrolho, no entanto acabou por seguir a sugestão, sentando-se à beira do cadeirão e fechando as pálpebras por um segundo, o qual aproveitou para também inspirar fundo.

Yudarh dirigiu-se a um armário baixo, onde se demorou alguns segundos, acompanhado pelo tilintar de vidro, até trazer consigo uma faca e um frasco que terminava numa zona mais afunilada. Pousou-os, e ao bebé, em cima da mesa. Lançou uma mirada a Lysa, antes de abrir o jarro de barro que ela trouxera. Espreitou a quantidade de leite – ainda daria para o pequeno beber uma ou outra vez. Abriu o frasco afunilado e encheu-o. A seguir inclinou um pouco Ayalal, e tentou dar-lho de beber. O bebé recusou-se a engolir o líquido, sujando-se com uma careta, como a adolescente já lhe contara. Parecia-lhe mais uma reacção a um sabor desagradável, do que algum tipo de maleita.

“Bebés esquisitos…” pensou para si, voltando a deitá-lo na mesa, sem se dar ao trabalho de o limpar. Reabriu o frasco e pegou na faca. Posicionou um dedo indicador sobre o gargalo e deixou a lâmina fazer um pequeno corte.

– Hey… – Lysa começou a levantar-se.

– Não quero reclamações! – relembrou Yudarh, enquanto três gotas de sangue caíam sobre o leite. Pousou a faca, fechou o frasco e agitou-o, deixando que os dois líquidos se misturassem.

Ela insuflou as bochechas e levou um punho fechado à boca, impedindo-se de falar. Lembrou-se que confiava nele, que não acreditava que ele fizesse mal a um bebé, que ela própria lhe devia mais do que a vida, e que Yudarh nunca fizera tensões de cobrar essa dívida.

Ele voltou a pegar no bebé e deixou que uma gota de leite lhe caísse sobre os lábios entreabertos. Como primeira reacção, Ayalal fez outra careta, ao sentir o contacto do líquido, mas a seguir pareceu prová-lo. O meio-demónio deitou-lhe mais algumas gotas, dando-lhe tempo para se habituar à nuance diferente que o leite possuía, antes de lhe dar mais a beber.

Lysa observou-os, expectante. Yudarh acabou por se aproximar dela e baixar-se para lhe devolver o bebé.

– Podes continuar tu – disse, dando-lhe também o frasco. – Eu vou preparar mais, para levares convosco para o orfanato.

A jovem hesitou, vendo-o voltar para junto da mesa.

– Mestre, isso… isto… não vai fazer-lhe mal? Não pode criar-lhe… gosto?

– Conto contigo para o “desmamar” do meu sangue – respondeu. – E conto que isto fique entre nós. E não te atrevas a dar-lhe do teu sangue, ou vou ficar muito chateado.

– Porquê…?

Yudarh desviou o olhar do que fazia, para a fitar, mantendo a mão estendida sobre o jarro.

– Porque, se algo correr mal, e ele não conseguir controlar o apelo que o sangue possa ter sobre si… provavelmente terá mais vontade de beber um que já conhece. E eu saberei lidar com isso.

O olhar de Lysa descaiu para Ayalal que sorvia o leite, devagar, parecendo até meio sonolento. Conseguia imaginar de que forma mestre Yudarh lidaria com um meio-vampiro sequioso de sangue. Arrepiou-se.

***

Mosteiro das Sete Formas, 02 de Pharast de 4586 AR (parte III)


– Água benta? – Lysa era incapaz de imaginar que tal fosse possível. – Mas é só um bebé!

Nos seus braços, Ayalal estremecia com soluços de dor.

– Não o impede de ser inerentemente maligno e…

– Ele não é maligno! – quase gritou, interrompendo-o, o que só fez o bebé começar a chorar ainda mais alto. – Oh, desculpa, Ayalal… – murmurou, logo de seguida, acariciando-lhe o topo da cabeça e começando a embalá-lo. – Pronto, pronto, vai ficar tudo bem.

Yudarh sorriu para si, regressando para junto deles e estendendo uma mão de garras afiadas que agarrou o braço do pequeno com cuidado. Lysa mirou-o com desconfiança.

– Não disse que ele era maligno – notou, observando o halo avermelhado que a pele pálida exibia. – Só que havia uma possibilidade. A água benta afecta seres malignos de outros planos, assim como mortos-vivos. Ora, há feitiços que detectam o mal que uma criatura possa emanar, assim como detectam mortos-vivos. O teu bebé não é um morto-vivo, a não ser que disfarce muito bem. De momento só me lembro de uma coisa que ele possa ser – um dhampir.

Lysa processou a palavra, continuando a embalar Ayalal.

– Isso quer dizer que ele é… filho de um vampiro?

– Quer dizer isso, e quer dizer que é uma informação que deves guardar para ti. Há quem tenha medo de meio-vampiros e seriam bem capazes de o perseguir. Também quer dizer que deve ser mantido afastado de água benta e qualquer tipo de energia positiva. Se algum dia alguém quiser usar um feitiço de cura nele, não o permitas. Poderia matá-lo. Se for necessário, trá-lo a mim.

A inflamação da zona onde a água benta tocara desaparecera, após um toque mais demorado de Yudarh.

– E… bebe sangue? – A questão de Lysa foi demasiado hesitante, não sabendo bem se queria receber uma resposta.

– Isso é uma questão sensível. Eles gostam de sangue, é uma substância que pode causar-lhes vício, como uma droga. Mas há os que conseguem resistir-lhe. E, bem, não há mal nenhum em beber sangue, do meu ponto de vista. É tão mau como comer carne e peixe – acrescentou, ao notar o franzir de sobrancelhas da rapariga. – Mas o preconceito será uma faca cruel, se ele decidir seguir esse caminho.

O choro do bebé baixou de tom, até se transformar num fungar subtil e cansado. Lysa fez-lhe uma festa no rosto, pensando em tudo o que Mestre Yudarh lhe havia contado. Deixou-o agarrar-lhe num dedo e levá-lo à boca para chuchar nele. Onde estaria a mãe daquele rebento?

– Mas isso explica o porquê de ele não comer? – murmurou a jovem.

– Não. Os dhampirs são um pouco mais fortes que um bebé normal, mas até eles definham se não comerem. Deixa aqui o bebé e vai buscar leite. Despacha-te.

Lysa piscou os olhos. Deixar ali Ayalal?

– Mas…

– Ou vais já, ou podes ir-te embora com o teu bebé. E que morra de fome – disse Yudarh.

Ela insuflou as bochechas.

– Está bem. Mas não volte a magoá-lo.

– Ou…? – Ele sorriu, estendendo os braços para o bebé.

Lysa resmungou entre dentes, e acabou por lhe entregar o bebé. Apesar da rabugice, era capaz de lhe confiar a vida. Não acreditava que o mestre fizesse mal a uma criança.

Yudarh ficou a vê-la sair com passadas rápidas, antes de voltar a dar atenção ao que tinha nos braços. A expressão suavizou-se, enquanto se sentava na sua poltrona, não demasiado perto da lareira.

– Vieste juntar-te ao grupo dos párias, Ayalal – murmurou, examinando-lhe o rosto.

Agora que parara de chorar, o bebé fitava-o com uma certa atenção, tentando assimilar a nova voz e os novos contornos que lhe eram dados a conhecer. Yudarh fez um gesto subtil com a mão e sussurrou três palavras, permitindo que um feitiço fraco tocasse a criança e lhe revelasse se realmente era maligna. A pequena presença não emitiu qualquer aura detectável. De momento, não teria de se preocupar.

Recostou-se na poltrona, pensativo. Haveria algum vampiro na cidade, talvez escondido na escuridão das galerias que se enterravam nas montanhas? Não acreditava que um lhe tivesse passado por debaixo do nariz, contudo a cautela nunca era muita. Iria investigar se o pai de Ayalal andaria por ali. E se andasse…

Os olhos vermelhos estreitaram-se, enquanto observava o fogo.

***

Mosteiro das Sete Formas, 02 de Pharast de 4586 AR (parte II)


– Mestre Yudarh…

– Quantas vezes te disse para não vires aqui? – O seu tom era tão duro quanto o olhar. Numa mão de dedos que terminavam em garras, segurava um bordão cuja superfície se revestia de estranhos símbolos negros. Andava sempre com ele e Lysa desconfiava de que fosse mágico. Na outra mão trazia um saco fechado.

– Eu sei… mas precisava mesmo da sua ajuda – notou a adolescente, baixando o olhar para Ayalal. – Precisava que me ajudasse a cuidar deste bebé. Não sei bem o que lhe fazer… ele não come, Mestre.

Ele respirou fundo. Atrás de Lysa, o trinco da porta rodou sozinho, destrancando-a. Yudarh passou pela rapariga e abriu a porta, deixando-a como estava ao avançar para o interior. Lysa apressou-se a seguir a dica, antes que ele mudasse de ideias, e entrou também, fechando-a atrás de si. À medida que ele avançava por um corredor estreito, as candeias penduradas no tecto acendiam-se, iluminando-lhes a passagem.

Não conhecia bem a casa, mas já fora lá vezes suficientes para saber que tudo poderia ser potencialmente mágico. E perigoso, segundo as palavras do Mestre Yudarh. Passaram por três portas fechadas, e acabaram por desembocar no que se revelava um misto de quarto, sala de estar e cozinha. Mal ele pousou um casco no interior do compartimento, a lareira diante deles crepitou e as chamas irromperam dos toros de madeira. Yudarh atirou o saco para um canto mais escuro e encostou o bordão à parede, para despir a capa preta que trazia sobre ombros.

Lysa aguardou em silêncio, lançando uma mirada às estantes posicionadas de um dos lados, repletas de tomos antigos e frascos misteriosos em cuja superfície a luz das chamas tocava, produzindo reflexos de outras cores. Sorriu um pouco. Estava tudo igual àquilo de que se lembrava, quando vivera ali, depois de Yudarh a ter encontrado nas montanhas.

– Eu não sou curandeiro, sabias?

A pergunta chamou-lhe a atenção, levando-a a encará-lo. Uma cauda vermelha oscilava atrás das costas dele. A grande maioria das pessoas da cidade consideravam-no um demónio, era-lhes indiferente que nunca tivesse prejudicado ninguém, que se limitasse a viver num túnel isolado, sozinho com ele mesmo, longe dos problemas. Só a sua própria existência era suficiente para lhe desejarem a morte. Lysa acreditava que era essa a razão que levava Yudarh a não a querer ali, para que não a vissem associada a uma criatura que era, na verdade, filho de demónios.

– Mas é mais sábio que muitos – notou, aproximando-se um pouco. – E mais… compreensivo.

Ele fungou, revirando os olhos.

– O bebé, dizes que não come – notou, indo directo ao assunto. – Donde veio?

– Foi deixado à porta do orfanato. Encontrei-o há dois dias, de manhãzinha – explicou. – Não sei se tem alguma doença, mas está bastante pálido.

Yudarh tomou-lho dos braços, num movimento rápido que a fez sobressaltar-se, receosa que Ayalal se magoasse. Caminhou com ele até junto das chamas, observando-o com atenção. O rosto do bebé contorceu-se um pouco, mantendo os olhos firmemente fechados, num esforço que Lysa provavelmente não repara. Yudarh voltou a afastar-se da luz mais forte, notando a descontração no rosto do bebé. Deitou-o em cima da mesa, desenrolando-o da manta que o protegia do frio.

– Ele tem alguma marca no corpo? – lançou uma mirada a Lysa.

– Não, só essa palidez. Que tenha notado.

– Hm. – Afastou-se dele e foi até uma das prateleiras com frascos. Mirou-os por um pouco e tirou um deles, desarrolhando-o no caminho de regresso. Verteu uma só gota sobre o dedo indicador.

– O que é isso? – murmurou Lysa.

Não obteve resposta. Yudarh pegou no braço de Ayalal, arregaçando-lhe a manga da roupa ruçada que usava, e tocou-lhe com o dedo na pele.

De súbito, um grito lancinante de dor soltou-se da garganta do recém-nascido. Lysa agiu por instinto, arrancando o bebé na mesa e abraçando-o contra si, enquanto lançava um olhar chocado ao meio-demónio.

Yudarh suspirou e encolheu os ombros, voltando a arrolhar o frasco.

– É doloroso, mas essa quantidade não o irá matar. E foi bom ter sido eu a testar de propósito, do que ele levar com isto em cima sem querer – notou, voltando a pôr o frasco junto dos outros. – O que está aqui dentro não deveria ser nada de mais… para um bebé normal. É água benta.

***

Mosteiro das Sete Formas, 02 de Pharast de 4586 AR (parte I)


Sentada na cozinha, dobrada sobre si, de cotovelos apoiados nos joelhos, Lysa tentava conter a frustração, enquanto via Ohlara, a ama-da-leite, tentar dar de comer a Ayalal. Haviam passado dois dias inteiros e, por alguma razão, ele recusava-se a engolir o leite.

– Talvez seja alguma enfermidade. – Ohlara não se fartava de repetir aquilo, deixando-a pelos cabelos. – O melhor seria levá-lo a um curandeiro, tentar perceber. Pode haver um nó dentro dele… ou os deuses preferem que ele não viva.

A adolescente fez uma careta que lhe contorceu o rosto já de si algo contorcido de um dos lados. Quando era pequena, antes de entrar para o orfanato, uma queimadura carcomera-lhe a pele da bochecha até à sobrancelha e quase a cegara.

– Talvez seja melhor. Fica com ele um bocadinho, por favor. Vou falar com senhora Drane – pediu.

*

Saiu com passadas apressadas, dirigindo-se a uma pequena casa a duas ruas de distância. Ao aproximar-se, estugou o passo e franziu um pouco as sobrancelhas, descontente com o que viu. Seis pessoas esperavam à porta da curandeira. Uma delas segurava um pano em redor da mão, ensopado em sangue que pingava no chão; outra, de pele macilenta, tossia, e o ruído do seu peito era um aviso que a queria manter à distância; havia ainda uma mulher, com um bebé de colo, de desespero espelhado no olhar.

– O que é que vamos fazer, Ay? – murmurou ao pequeno, pensando para si. Ayalal soltou um resmungo opinativo baixo. Não voltara a chorar, depois daquela primeira vez, nem por fome, nem para que lhe mudasse os cueiros, nada. Talvez tivesse mesmo uma doença. Ele esticou uma mão, parecendo querer chegar-lhe ao queixo. Era incrível como ainda tinha forças para aquilo. Se ela estivesse dois dias inteiros sem comer, nem se mexia. – Tu és forte, não és? Qual enfermidade, qual quê…

Baixou o rosto, deixando-o tocar-lhe. Ao senti-lo mexer-lhe na cicatriz, lembrou-se de alguém que talvez os pudesse ajudar.

Deu meia volta, fazendo Ay soltar outro resmungo e recolher o braço. Afastou-se da parte mais populosa da cidade, penetrando em ruas menos claras, onde a iluminação carecia. As casas também eram menos, algumas delas completamente vazias, abandonadas por quem não fora capaz de viver tanto tempo sob as montanhas. Enveredou por um lance de escadas escavadas na própria pedra, de degraus cuja altura roubava o fôlego, e entrou num túnel que dava acesso a uma zona mais sombria. As tochas eternas, presas às paredes, espaçavam-se em intervalos demasiado amplos, que criavam sombras de movimentos irregulares. Lembravam-lhe criaturas, à espera para a atacar. Engoliu em seco e avançou, agarrando melhor o bebé.

Mais adiante o caminho transformava-se numa encruzilhada. O túnel do seu lado esquerdo levaria à superfície, porém era uma rota meio-esquecida que provavelmente só os monges tomavam – fora por ali que ela própria chegara à cidade; em frente ficava o seu destino, seguindo o mesmo padrão de luz e sombras; porém, do seu lado direito, abria-se um poço de escuridão. Arrepiou-se. No orfanato contavam-se histórias de pessoas que haviam sido arrastadas por garras sem dono para passagens como aquela, que por vezes se escutava o sussurro dos mortos na corrente de ar. Queria acreditar que era tudo aldrabices que contavam às crianças. Inclusive, patrulhas regulares examinavam as zonas não iluminadas da cidade para se certificarem de que nenhuma criatura perigosa as tomava como lar. E não havia qualquer registo oficial de desaparecimentos ou ataques.

Inspirou fundo, conteve a respiração, e correu para o outro lado. Nada a apanhou no caminho, nenhuma mão de garras afiadas saída do negrume. Suspirou, um pouco aliviada. Sentia-se, ao mesmo tempo, ridícula por, com aquela idade, ainda dar atenção às histórias tolas que corriam entre as crianças.

Continuou caminho até ao fim do túnel, onde a pedra formava uma casa de porta baixa. Apesar de ao lado desta haver uma janela, não se via qualquer luz vinda do interior. Lysa hesitou um momento, antes de bater. Não obteve qualquer resposta. Voltou a bater, com mais força. Nada.

Praguejou, frustrada. Podia esperar um pouco, mas não sabia quando é que ele voltaria. Ou se simplesmente estava lá dentro e não queria abrir a porta. Regressaria mais tarde.

Deu meia volta e, de súbito, percebeu que deixara de ver o túnel à sua frente. Um vulto negro bloqueara-lhe o caminho. Saltou para trás, apertando Ayalal contra si com demasiada força. O bebé soltou um guincho baixo, com a brusquidão. Por um momento, pensou que fosse um ser da escuridão que a viesse matar. Ergueu o olhar, espreitando um rosto avermelhado de homem. O seu cabelo era tão branco como a neve, mas o que mais chamava a atenção eram os dois chifres negros que irrompiam da testa e arqueavam para trás. Ele encarava-a, com dois orbes de um vermelho intimidante. Bateu com um casco no chão, fazendo-a estremecer.

***

Mosteiro das Sete Formas, 28 de Calistril de 4586 AR (parte II)


“Por favor, cuidem deste bebé. O seu nome é Ayalal Duruvan.”


A directora pousou o fragmento de pergaminho sobre a mesa da cozinha, junto a uma bolsa de dinheiro aberta. Contara nela 50 moedas de platina – uma quantia imensa. Lançou uma mirada ao bebé, amparado nos braços de Lysa, junto à lareira. A adolescente falava com ele, baixinho, enquanto esperava que o calor lhe desse um pouco mais de ânimo.

– Duruvan… – O apelido nada lhe dizia. No entanto, fosse qual fosse a família, certamente tinha dinheiro, e aquele daria muito jeito.

– Ele é tão claro, senhora Drane – notou Lysa. – Será um mestiço de que raças?

– Por agora é o que menos interessa – cortou. O tom da directora era duro. Raramente a ouviam falar de outra forma. – É um bebé. Tomaremos conta dele, até ser crescido. Ficará à tua responsabilidade.

– Minha?! – lançou um olhar estupefacto, por cima do ombro.

– Trata de lhe procurar uma ama-de-leite. O berço será posto junto à tua cama. Não o quero a chorar durante a noite.

Os lábios de Lysa abriam-se e fechavam-se, lembrando um peixe fora de água, enquanto pensava em como esquivar-se às ordens. Mas sabia que não havia escapatória possível, e queria tudo menos ser punida por desobediência.

Suspirou e voltou a olhar o recém-nascido. Ele remexeu-se entre o tecido que o envolvia, de bochechas um pouco mais coradas pelo calor do fogo. Soltando um resmungo, começou a acordar. Quando, por fim, o pequeno abriu os olhos, fitaram-se mutuamente, e ele não pareceu nada agradado com a vista. O seu rosto começou a contorcer-se numa careta e, pouco depois, um choro agudo encheu a cozinha do orfanato.

***