Mosteiro das Sete Formas, 13 de Neth de 4592 AR (parte I)


Rodou a cabeça de um lado para o outro, tentando ver alguma coisa no horizonte, um fragmento de luz, um movimento. Porém, era tudo escuridão. Não existia tecto, o chão sentia-o mas era como se os pés estivessem pousados em nada. Em redor, havia somente um vazio negro e um silêncio que ecoava dentro da mente. Onde estavam as pessoas? As casas? Onde estava ele?

– Alguém? – A voz ressoou sem que precisasse de mexer os lábios, pairando por segundos até ser engolida e desaparecer. Não obteve resposta.

Inspirou e expirou. A seguir repetiu o processo e apercebeu-se que o esforço necessário aumentara, da mesma forma que um aperto no peito, como se as costelas se comprimissem. Por fim, os músculos recusaram-se a mexer, deixando de conseguir respirar. Tentou gritar. Porém, ao contrário do que acontecera anteriormente, em que falara sem mexer os lábios, desta vez a boca moveu-se, mas o grito foi mudo.

Em pânico, ergueu as mãos para as levar ao peito, no entanto… não existiam mãos unidas aos pulsos. A escuridão consumira-as e começava a rastejar antebraços acima, fundindo-os com a negritude, tomando-os para si.

Os seus gritos mudos tornaram o silêncio ainda mais pesado. O corpo contorceu-se, tentando afastar a escuridão, porém ela simplesmente continuou a tomar terreno, indiferente aos esforços. Trepou-lhe pelo corpo, roubando-lhe os membros, o peito, a boca. Por fim, perdeu a visão, para pertencer completamente às trevas.

*

Escancarou os olhos e sentou-se num movimento brusco, ofegante. O corpo suava como se tivesse corrido pela cidade, sem cessar. Apalpou os braços, o peito, o pescoço, o rosto, certificando-se de que estava tudo ali. O peso do cobertor sobre as pernas era estranhamente reconfortante, em contraste com o vazio. Inspirou fundo várias vezes. A garganta estava seca e um pouco dorida, como se tivesse mesmo gritado. “Foi só um sonho”, tentou mentalizar-se, “só um sonho”. Era o tipo de pesadelo recorrente que o atacava nos últimos dias, após lhe ter sido revelado parte da sua ascendência. Ficara com demasiado medo de si mesmo.

Quando, por fim, o ritmo cardíaco serenou, Ayalal olhou para as restantes crianças adormecidas. Em princípio não fizera barulho, tendo em conta que nenhuma dava mostras de ter acordado.

A quatro enxergas de distância, um dos órfãos remexeu-se. Ay retesou-se por um instante. A criança voltou a rolar sobre si e pareceu encolher-se, enquanto deixava escapar um queixume. Talvez fosse só mais alguém com pesadelos, pensou.

No entanto, o gemido de fundo prolongou-se. Uma pessoa que dormisse profundamente não daria conta, porém era impossível que alguém já acordado conseguisse ignorar. Ayalal levantou-se e, de pés descalços, aproximou-se da criança em causa, fazendo uso da sua visão nocturna para não tropeçar em ninguém.

Acocorou-se junto de Pather, um rapaz magro, dois anos mais novo que ele. Apesar do rosto contorcido por um qualquer mal-estar, continuava a dormir. Hesitou, antes de estender uma mão, pousando-a sobre a cabeça e dando-lhe uma festa, como Lysa fazia consigo, para o acalmar. Para seu desgosto, não pareceu fazer efeito. Tocou com as costas da mão fria no rosto do rapaz e, por um momento, assustou-se, recolhendo-a contra o corpo. Talvez fosse só impressão. Com mais cautela, voltou a tocar-lhe. Em comparação com a sua frieza, o rosto do rapaz estava quente, muito mais do que o normal.

– Pather – chamou, baixinho. – Pather, acorda.

Com cuidado, abanou-o pelo ombro. O órfão soltou um gemido mais alto e entreabriu os olhos, sem conseguir enxergar por entre a escuridão do quarto.

– Como te sentes? – murmurou.

– Não sei… dói… – gemeu, encolhendo-se mais, sob o cobertor. Um soluço fino soltou-se e, no segundo a seguir, um choro baixo encheu o quarto.

Foi o suficiente para quebrar o sossego da noite. Algumas das outras crianças começaram a abrir os olhos e a erguer-se sobre os cotovelos para tentarem perceber o que se passava.

Ay ergueu-se de junto dele e correu para a porta, saindo para avisar as responsáveis. Não podia fazer muito mais para ajudar. Acabara de passar a soleira para a semiobscuridade do corredor quando, atrás de si, ouviu alguém falar.

– O Pather está a chorar, ele fez-lhe alguma coisa de mal…

O coração pareceu falhar um batimento. Apesar de ser difícil ficar mais lívido do que já era, Ayalal sentiu o sangue a fugir-lhe do rosto.

***

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