– Água benta? – Lysa era incapaz de imaginar que tal fosse possível. – Mas é só um bebé!
Nos seus braços, Ayalal estremecia com soluços de dor.
– Não o impede de ser inerentemente maligno e…
– Ele não é maligno! – quase gritou, interrompendo-o, o que só fez o bebé começar a chorar ainda mais alto. – Oh, desculpa, Ayalal… – murmurou, logo de seguida, acariciando-lhe o topo da cabeça e começando a embalá-lo. – Pronto, pronto, vai ficar tudo bem.
Yudarh sorriu para si, regressando para junto deles e estendendo uma mão de garras afiadas que agarrou o braço do pequeno com cuidado. Lysa mirou-o com desconfiança.
– Não disse que ele era maligno – notou, observando o halo avermelhado que a pele pálida exibia. – Só que havia uma possibilidade. A água benta afecta seres malignos de outros planos, assim como mortos-vivos. Ora, há feitiços que detectam o mal que uma criatura possa emanar, assim como detectam mortos-vivos. O teu bebé não é um morto-vivo, a não ser que disfarce muito bem. De momento só me lembro de uma coisa que ele possa ser – um dhampir.
Lysa processou a palavra, continuando a embalar Ayalal.
– Isso quer dizer que ele é… filho de um vampiro?
– Quer dizer isso, e quer dizer que é uma informação que deves guardar para ti. Há quem tenha medo de meio-vampiros e seriam bem capazes de o perseguir. Também quer dizer que deve ser mantido afastado de água benta e qualquer tipo de energia positiva. Se algum dia alguém quiser usar um feitiço de cura nele, não o permitas. Poderia matá-lo. Se for necessário, trá-lo a mim.
A inflamação da zona onde a água benta tocara desaparecera, após um toque mais demorado de Yudarh.
– E… bebe sangue? – A questão de Lysa foi demasiado hesitante, não sabendo bem se queria receber uma resposta.
– Isso é uma questão sensível. Eles gostam de sangue, é uma substância que pode causar-lhes vício, como uma droga. Mas há os que conseguem resistir-lhe. E, bem, não há mal nenhum em beber sangue, do meu ponto de vista. É tão mau como comer carne e peixe – acrescentou, ao notar o franzir de sobrancelhas da rapariga. – Mas o preconceito será uma faca cruel, se ele decidir seguir esse caminho.
O choro do bebé baixou de tom, até se transformar num fungar subtil e cansado. Lysa fez-lhe uma festa no rosto, pensando em tudo o que Mestre Yudarh lhe havia contado. Deixou-o agarrar-lhe num dedo e levá-lo à boca para chuchar nele. Onde estaria a mãe daquele rebento?
– Mas isso explica o porquê de ele não comer? – murmurou a jovem.
– Não. Os dhampirs são um pouco mais fortes que um bebé normal, mas até eles definham se não comerem. Deixa aqui o bebé e vai buscar leite. Despacha-te.
Lysa piscou os olhos. Deixar ali Ayalal?
– Mas…
– Ou vais já, ou podes ir-te embora com o teu bebé. E que morra de fome – disse Yudarh.
Ela insuflou as bochechas.
– Está bem. Mas não volte a magoá-lo.
– Ou…? – Ele sorriu, estendendo os braços para o bebé.
Lysa resmungou entre dentes, e acabou por lhe entregar o bebé. Apesar da rabugice, era capaz de lhe confiar a vida. Não acreditava que o mestre fizesse mal a uma criança.
Yudarh ficou a vê-la sair com passadas rápidas, antes de voltar a dar atenção ao que tinha nos braços. A expressão suavizou-se, enquanto se sentava na sua poltrona, não demasiado perto da lareira.
– Vieste juntar-te ao grupo dos párias, Ayalal – murmurou, examinando-lhe o rosto.
Agora que parara de chorar, o bebé fitava-o com uma certa atenção, tentando assimilar a nova voz e os novos contornos que lhe eram dados a conhecer. Yudarh fez um gesto subtil com a mão e sussurrou três palavras, permitindo que um feitiço fraco tocasse a criança e lhe revelasse se realmente era maligna. A pequena presença não emitiu qualquer aura detectável. De momento, não teria de se preocupar.
Recostou-se na poltrona, pensativo. Haveria algum vampiro na cidade, talvez escondido na escuridão das galerias que se enterravam nas montanhas? Não acreditava que um lhe tivesse passado por debaixo do nariz, contudo a cautela nunca era muita. Iria investigar se o pai de Ayalal andaria por ali. E se andasse…
Os olhos vermelhos estreitaram-se, enquanto observava o fogo.
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