Mosteiro das Sete Formas, 02 de Pharast de 4586 AR (parte IV)


Lysa arquejava de cansaço, ao regressar com um jarro tapado apertado contra o peito. Yudarh ergueu as sobrancelhas, quando a jovem entrou no aposento onde ainda se encontrava sentado com o bebé ao colo.

– Não precisavas de correr, criança – notou, seguindo-a com o olhar, enquanto ela pousava o jarro na mesa. – Ele não iria morrer de uma hora para a outra. Em princípio.

– Ele não come há demasiado tempo, claro que precisava de correr, mestre – resmungou, apoiando uma mão na mesa e a outra no peito de onde o coração ameaçava saltar.

Ele não comentou e levantou-se.

– Senta-te aqui, então – disse, fazendo um gesto com a mão livre para o lugar deixado vago. – E não quero reclamações do que me possas ver a fazer.

A rapariga franziu o sobrolho, no entanto acabou por seguir a sugestão, sentando-se à beira do cadeirão e fechando as pálpebras por um segundo, o qual aproveitou para também inspirar fundo.

Yudarh dirigiu-se a um armário baixo, onde se demorou alguns segundos, acompanhado pelo tilintar de vidro, até trazer consigo uma faca e um frasco que terminava numa zona mais afunilada. Pousou-os, e ao bebé, em cima da mesa. Lançou uma mirada a Lysa, antes de abrir o jarro de barro que ela trouxera. Espreitou a quantidade de leite – ainda daria para o pequeno beber uma ou outra vez. Abriu o frasco afunilado e encheu-o. A seguir inclinou um pouco Ayalal, e tentou dar-lho de beber. O bebé recusou-se a engolir o líquido, sujando-se com uma careta, como a adolescente já lhe contara. Parecia-lhe mais uma reacção a um sabor desagradável, do que algum tipo de maleita.

“Bebés esquisitos…” pensou para si, voltando a deitá-lo na mesa, sem se dar ao trabalho de o limpar. Reabriu o frasco e pegou na faca. Posicionou um dedo indicador sobre o gargalo e deixou a lâmina fazer um pequeno corte.

– Hey… – Lysa começou a levantar-se.

– Não quero reclamações! – relembrou Yudarh, enquanto três gotas de sangue caíam sobre o leite. Pousou a faca, fechou o frasco e agitou-o, deixando que os dois líquidos se misturassem.

Ela insuflou as bochechas e levou um punho fechado à boca, impedindo-se de falar. Lembrou-se que confiava nele, que não acreditava que ele fizesse mal a um bebé, que ela própria lhe devia mais do que a vida, e que Yudarh nunca fizera tensões de cobrar essa dívida.

Ele voltou a pegar no bebé e deixou que uma gota de leite lhe caísse sobre os lábios entreabertos. Como primeira reacção, Ayalal fez outra careta, ao sentir o contacto do líquido, mas a seguir pareceu prová-lo. O meio-demónio deitou-lhe mais algumas gotas, dando-lhe tempo para se habituar à nuance diferente que o leite possuía, antes de lhe dar mais a beber.

Lysa observou-os, expectante. Yudarh acabou por se aproximar dela e baixar-se para lhe devolver o bebé.

– Podes continuar tu – disse, dando-lhe também o frasco. – Eu vou preparar mais, para levares convosco para o orfanato.

A jovem hesitou, vendo-o voltar para junto da mesa.

– Mestre, isso… isto… não vai fazer-lhe mal? Não pode criar-lhe… gosto?

– Conto contigo para o “desmamar” do meu sangue – respondeu. – E conto que isto fique entre nós. E não te atrevas a dar-lhe do teu sangue, ou vou ficar muito chateado.

– Porquê…?

Yudarh desviou o olhar do que fazia, para a fitar, mantendo a mão estendida sobre o jarro.

– Porque, se algo correr mal, e ele não conseguir controlar o apelo que o sangue possa ter sobre si… provavelmente terá mais vontade de beber um que já conhece. E eu saberei lidar com isso.

O olhar de Lysa descaiu para Ayalal que sorvia o leite, devagar, parecendo até meio sonolento. Conseguia imaginar de que forma mestre Yudarh lidaria com um meio-vampiro sequioso de sangue. Arrepiou-se.

***

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